domingo, 19 de junho de 2011

Viagens

Não sei se esta forma de interpretar as viagens começou ainda na adolescência, viajando com meu pai (representante comercial) por todo o interior do RS, ou na época de estudante, em Santa Maria, quando pegava carona para ir para casa da família em Rosário do Sul ou para visitar a namorada (hoje esposa), em Taquara, há uns 350 km, o que me proporcionou conhecer muitas pessoas e histórias e viver as mais diversas situações, por vezes engraçadas, por vezes emocionantes.

De alguns anos para cá, por conta de minha profissão, sendo responsável por equipes e parceiros comerciais dispersos geograficamente no estado, viajo bastante, percorrendo alguns quilômetros de asfalto a cada mês. Com o tempo acabei fazendo um acordo com a estrada: eu respeito os seus e os meus limites e ela me proporciona momentos de reflexão, estando sozinho ou mesmo podendo compartilhar da viagem com mais pessoas. Nestas ocasiões, sempre existe a possibilidade de conhecer mais o outro, sua história, motivações e aspirações.

Uma destas histórias bacanas aconteceu há alguns dias atrás, na volta de nossa convenção anual de vendas com nossos parceiros comerciais e alguns membros da equipe, em SP. Depois de uma maratona de palestras e apresentações de alto nível,  restava muitas insights interessantes e várias ideias a implementar, mas também algum cansaço físico, resultado de 3 dias de uma intensa convenção.

No entanto, no aeroporto, tivemos a confirmação de que todos os voos para o RS haviam sido cancelados em virtude das cinzas do vulcão no Chile. Eram quase 18h do dia 09/06/2011. Tínhamos que buscar alguma alternativa, pois passar a noite no aeroporto estava entre os últimos planos de todo o grupo de 28 pessoas que formavam a “delegação”. Logo, tudo indicava que as próximas horas seriam longas.

Porém, neste momento começou o que considero uma série de lições de administração, as quais acredito que vale a pena registrar:

Estratégia
Tínhamos nas mãos uma organização sendo formada, com objetivos a serem definidos. Precisávamos de uma estratégia. Esta, que serve para posicionar a organização de forma a sobreviver às diferentes variáveis impostas pelo mercado, garantindo sua continuidade no tempo, com definição de atividades e competências para entregar valor de maneira diferenciada às partes envolvidas, serviria para balizar nossas ações. O aparente caos aéreo pareceu representar bem o caos do nosso mercado e a competitividade existente nele, com a imposição de tempo e recursos.

Planejamento
Os recursos eram escassos, não havia hotel disponível por perto e mesmo que se conseguíssemos hospedagem ou que todos ficassem no aeroporto, não havia a certeza que de que iríamos embarcar na manhã do dia seguinte. Era necessário pensar em alguns cenários: buscar hospedagem em hotel? Tentar um voo para um estado onde os aeroportos não estivessem fechados? Alugar 6 carros em SP e voltar dirigindo? Pegar um ônibus até um estado mais próximo e de lá alugar os carros? Fretar um ônibus exclusivo? Assim como decisões nas empresas, todas as possíveis saídas envolviam uma análise do orçamento, tempo, benefícios, conhecimento do ambiente e fornecedores, negociação e a análise do risco e dos possíveis reflexos da decisão.

Liderança
Além dos líderes formais, surgiram os líderes situacionais que prontamente reuniram ideias para buscar soluções, delegaram tarefas, dividiram as funções e administraram a ansiedade. A nosso favor a conexão, de todas as formas: celulares, smartphones, modems e tablets. Alguns membros usavam estes recursos para procurar contatos de empresas de ônibus, outros contatavam a agência e hotéis da cidade. Outros se ofereciam para ajudar em alguma coisa. Alguns buscavam informações sobre andamento das negociações e das novidades, para comunicar aos demais. Uma decisão tinha que ser tomada e muitas pessoas dependiam disso. A decisão tomada e acordada pela maioria foi de que voltaríamos todos juntos, de ônibus, de SP a Porto Alegre.

Negociação
Para fretar um ônibus exclusivo, seriam necessárias algumas horas para formalização da viagem junto aos órgãos de trânsito, logo a viagem deveria ser com ônibus de linha. Assim que identificadas as empresas que tinham itinerário interestadual, começaram as negociações para que a empresa disponibilizasse um veículo extra, e qual fornecedor conseguiria atender com o preço adequado, melhor qualidade possível e principalmente no menor tempo, já que todos estavam ansiosos para retornarem a suas casas.

Motivação
Esta viagem levaria normalmente apenas 1h30 para acontecer, porém, agora, teríamos perto de 16h pela frente. Ainda assim, todos comemoraram. Parece um tempo longo quando se quer chegar, mas foi tempo suficiente para estreitar relações, alinhar perspectivas e fazer com que um grupo de pessoas pudesse cooperar em prol de um mesmo objetivo, crescendo, se envolvendo e escrevendo juntos uma mesma história.

Confiança
Em todas as paradas para as refeições viam-se rostos cansados, cabelos desgrenhados e roupas amarrotadas. Mas em nenhum momento houve alguma manifestação de arrependimento ou questionamento da decisão, mas sim o entendimento que, assim como muitas decisões difíceis do dia-a-dia, esta partiu de um propósito visando o melhor para todos. A confiança nos líderes também aqui se mostrou fundamental.

Integração
A chegada foi comemorada com aplausos e abraços, deixando uma grande certeza: a de um time mais unido, juntos nas adversidades e nas comemorações, vivenciando algo novo e compartilhando uma sensação que pode ser dividida até mesmo com quem não estava no evento.
O time que retornou desta viagem estava muito mais forte e confiante em sua capacidade de superação.





“O que eu escuto, eu esqueço
O que eu vejo, eu lembro
O que eu faço, eu aprendo.”
(Confúcio)

Um comentário:

  1. Nada como uma viagem para estreitar os laços das pessoas. E nas dificuldades é que se manifestam as qualidades de cada um.
    Belo texto e grande abraço!

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